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19 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Conselho Nacional de Justiça CNJ - Procedimento de Controle Administrativo: PCA XXXXX-42.2017.2.00.0000

Conselho Nacional de Justiça
há 7 anos

Detalhes

Processo

Julgamento

Relator

GUSTAVO TADEU ALKMIM
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Ementa

Trata-se de Procedimento de Controle Administrativo, com pedido de liminar, proposto por Marcelo Cruz de Oliveira contra decisão proferida pela Comissão Organizadora do Concurso Público para o cargo de Juiz substituto do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas que, deixando se considerá-lo como negro, o eliminou do certame. [...] DECIDO. O procedimento em apreço versa sobre a eliminação do candidato requerente do concurso público para ingresso na carreira da magistratura do Estado do Amazonas, que se autodeclarou pardo, mas não foi considerado como tal pela comissão de concurso. De plano, registro que o deferimento de medida urgente pressupõe a presença da plausibilidade do direito e a essencialidade de guarida imediata durante a tramitação do processo, até seu julgamento definitivo. O artigo 25, inciso XI, do Regimento Interno do Conselho Nacional de Justiça enuncia como atribuição do relator o deferimento motivado de medidas urgentes nos casos em que demonstrada (a) existência de fundado receio de prejuízo, (b) dano irreparável ou (c) risco de perecimento do direito invocado. O risco da demora até decisão final no feito, por sua vez, emerge da possibilidade de prejuízo efetivo ao requerente durante a tramitação do feito. Após análise dos autos, verifico que a questão de fundo se consubstancia na validade da autodeclaração apresentada pelo requerente, que se inscreveu como pardo, e, portanto, estaria concorrendo como candidato negro (preto ou pardo), conforme item 5, do Edital nº 1 - TJAM. No entanto, apesar de ter sido aprovado em 6º lugar na classificação geral do concurso – fora dos 20% das vagas destinadas aos negros –, o candidato foi eliminado do certame, na fase de verificação da compatibilidade da autodeclaração apresentada, por entender a comissão avaliadora que o requerente “não apresenta as características fenotípicas exigidas pelo edital do concurso” (Id XXXXX – pág. 61). Consoante regramento estabelecido pela Resolução CNJ nº 203/2015 – que dispõe sobre a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura –, “poderão concorrer às vagas reservadas a candidatos negros aqueles que se autodeclararem pretos ou pardos, no ato da inscrição no concurso público [...]” (art. 5º) (grifos meus). Assim procedeu o candidato requerente. A própria Resolução trata de dispor que a autodeclaração não é absoluta, sendo passível de verificação, respondendo o candidato civil, penal e administrativamente, “na hipótese de constatação de declaração falsa” (art. 5º § 2º). E não poderia ser diferente, considerando a possibilidade de fraude, com prejuízo direto à esta grande conquista – a questão das cotas – que resgata a cidadania daqueles que, historicamente, sempre foram colocados à margem. Além do mais, objetivamente, aquele que faz falsa declaração tira o lugar que poderia ser destinado ao candidato efetivamente negro ou pardo, nos termos do citado normativo. O dilema que se forma é como comprovar uma suposta falsidade, uma vez que são presumidas como verdadeiras as informações prestadas pelo candidato (art. 5º § 2º). Os tribunais, em geral, estão se valendo de comissões para a verificação visual do candidato negro (análise dos caracteres físicos e visíveis) – avaliação do fenótipo – a fim de afastar a evidente má-fé, bem como eventual fraude, e garantir a higidez do sistema de cotas raciais. O Supremo Tribunal Federal, no histórico julgamento da ADPF 186, não trata desta questão com minúcias, estando presente de forma incidental no voto do Ministro Ricardo Lewandowski, relator, quando cita doutrina (Daniela Ikawa) que admite a seleção por comitês, desde que respeitadas certas condições: (i) análise posterior à autodeclaração; (ii) predominância do fenótipo e não da ascendência; (iii) devem ser consideradas combinações pardo-pardo, pardo-preto, preto-preto; (iv) o comitê deve ser composto considerando a diversidade de raça, classe econômica, orientação sexual e gênero, e deve ter mandatos curtos. Uma vez estabelecidas tais premissas, o Ministro Lewandowski conclui que “...tanto a autoidentificação, quanto a heteroidentificação, ou ambos os sistemas de seleção combinados, desde que observem, o tanto quanto possível, os critérios acima explicitados e jamais deixem de respeitar a dignidade pessoal dos candidatos, são, a meu ver, plenamente aceitáveis do ponto de vista constitucional”. Vê-se, pois, que, embora o C.STF tenha mencionado a formação destas comissões, este não foi o cerne do debate, que se centra, mais especificamente, em torno da validade, em si, do sistema de cotas no setor público. Todavia, a par de ser polêmica a seleção feita unicamente com base no critério visual, atraindo intensa discussão por conta da sua evidente subjetividade, não cabe aqui, em sede de liminar, se questionar a validade, ou não, da comissão formada pelo Tribunal requerido, devendo tal matéria ser aprofundada quando da análise de mérito. Entretanto, dois outros enfoques se sobrepõem e justificam, até mesmo, a providência cautelar. O primeiro diz respeito à exclusão sumária do candidato do concurso – que sequer se vale da condição de negro, em razão de sua classificação em 6º lugar na lista geral – por considerar que o requerente “não apresenta as características fenotípicas exigidas pelo edital do concurso” e que “não apresenta características fenotípicas que o identifique como negro”. Neste aspecto, emerge entendimento aplicado no último concurso para provimento de vagas e formação de cadastro de reserva nos cargos de analista judiciário e técnico judiciário do Superior Tribunal de Justiça – Edital nº 7 – STJ, de 9 de novembro de 2015, que assim previu no item 2.7: “Os candidatos que não forem reconhecidos pela banca como negros ou os que não comparecerem para a verificação na data, no horário e no local estabelecidos no link de consulta continuarão participando do concurso concorrendo às vagas de ampla concorrência”. Importante destacar que o Edital do concurso em referência foi publicado posteriormente à edição da Resolução STJ/GP nº 7/2015 e CNJ nº 203/2015, que possuem idêntico texto em relação a autodeclaração. Poder-se-ia dizer que a própria Resolução CNJ nº 203, prevê a eliminação do próprio concurso, e não apenas a exclusão do candidato ao direito à cota. Ocorre que, para tanto, é preciso que fiquem caracterizadas a fraude e a efetiva má-fé – devidamente comprovada, “após procedimento administrativo em que lhe sejam assegurados o contraditório e a ampla defesa”, como exige o mesmo normativo (art. 5º § 3º). E isso não se resolve, convenhamos, apenas com o direito a mero recurso sumariamente indeferido. Considerando que eventual autodeclaração falsa precisa ser comprovada e somente decretada após procedimento administrativo, resta evidente que a própria Resolução CNJ nº 203, admite a conjugação de outros elementos capazes de questionar a exclusividade do julgamento visual. E isso, in casu, aparentemente não ocorreu. Outro aspecto que também autoriza a interferência deste Conselho, e também justifica a concessão liminar, diz respeito aos documentos trazidos aos autos que, aparentemente, afastam a hipótese de fraude ou evidência de má-fé. As fotografias apresentadas (Id XXXXX – págs. 97 a 99) e laudos médicos que atestam a cor da pele do requerente como “categoria IV da Escala de Fittzpatrick de fototipos de pele, coincidindo com a noção de pele parda usualmente utilizada no Brasil [...]” (Id XXXXX – págs. 105 a 109), o requerente aparenta ser pardo (cor da pele). Além disso, o requerente demonstra que perante vários órgãos se declara pardo, tais como Secretaria de Segurança Pública do Estado de Roraima, Departamento de Polícia Federal – Sistema Nacional de Passaportes e Tribunal de Justiça do Estado de Roraima (Id XXXXX – págs.

1 a 7). Nestes termos, seja pela ausência de procedimento administrativo, seja pela exclusão sumária do concurso, seja pela fundada dúvida quanto ao enquadramento do fenótipo do candidato, o melhor é suspender, ainda que por hora, a homologação do certame, diante da evidente plausibilidade jurídica do pedido. Inquestionável, ainda, a presença do periculum in mora no caso em análise, pois consoante demonstrado, o concurso público para ingresso da magistratura no Estado do Amazonas já finalizou, aguardando apenas a publicação da homologação do certame. Registre-se que eventual procedência do pleito autoral pode influenciar diretamente na classificação dos candidatos aprovados. Por toda a argumentação exposta, concedo a medida liminar para determinar ao Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas que suspenda, de imediato, a homologação do concurso público para ingresso na carreira da magistratura do Estado do Amazonas. Na hipótese de ter sido homologado, suspendo os efeitos da homologação respectiva até o julgamento final do presente feito. Inclua-se a presente decisão para referendo do Plenário, nos termos do artigo 25, XI, do Regimento Interno deste Conselho. Intime-se o requerente para ciência da presente decisão e o TJAM também para ciência da presente decisão, bem como para prestar informações complementares que entender necessárias, no prazo de 15 (quinze) dias.

Referências Legislativas

  • LEI-12.288 ANO:2010 ART :1º INC:IV
  • RESOL-203 ANO:2015 ART :5º PAR:3º ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
  • REGI ART :25 INC:XI ORGAO:'CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA'
  • RESOL-7 ANO:2015 ORGAO:'SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA'

Observações

Classe Voto Ementa Conselheiro
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/cnj/459392764

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